Alegria

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quarta-feira, 2 de abril de 2014

# 045 - Estatutos do Homem - Thiago de Mello

Poema de hoje # 045
Em 1966, o poeta amazonense Thiago de Mello publica uma coletânea de contestação à Ditadura Militar, instaurada dois anos antes. Chamava-se Faz escuro mas eu canto. Nela, havia um poema que se tornaria merecidamente clássico e que foi traduzido em várias línguas:
ESTATUTOS DO HOMEM, Thiago de Mello (Estatutos do Homem),
Artigo 1
Fica decretado que agora vale a verdade, agora vale a vida e de mãos dadas marcharemos todos pela vida verdadeira;
Artigo 2
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo;
Artigo 3
Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer o dia inteiro abertas para o verde onde cresce a esperança;
Artigo 4
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu;
parágrafo único, o homem confiará no homem como um menino confia em outro menino;
Artigo 5
Fica decretado que os homens estão livres do julgo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
Artigo 6
Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo 7
Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo 8
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar amor a quem se ama sabendo que é a água que dá à planta o milagre da flor.
Artigo 9
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artigo 10
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, o uso do traje branco.
Artigo 11
Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo do que a estrela da manhã.
Artigo 12
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, sobretudo brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
parágrafo único, só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
Artigo 13
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

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